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Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

sábado, 3 de março de 2012

A distinção entre Ética, Moral, Direito e Justiça.


Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 3, Volume mar., Série 03/03, 2012, p.01-06.


Embora sejam conceitos distintos; Ética, Moral, Direito e Justiça; oferecem concepções estreitamente relacionadas, influenciando-se mutuamente.
No entanto, o entendimento destas relações carece de clareza para com suas diferenças básicas.
A Ética e o Direito pretendem garantir a Justiça; apesar da Moral, em alguns contextos também alardear este principio, a despeito de sua relação com o que é considerado justo ser muito relativa, quase nunca atendendo o referenciado pelo conceito.
O que configura um grande problema, porque o Direito deveria garantir a Justiça, mas é fortemente influenciado pela Moral estabelecida.
Igualmente, racionalizando e tentando padronizar o comportamento humano, a ética pretende efetuar uma critica da Moral e, em certos casos, avança no campo do Direito.
Porém, quase nunca garante que a Justiça se concretize, já que não tem poder de coerção, somente de coerção relativa.
Portanto, qualquer que seja o referencial, a questão inicial e central remete ao que entendemos por Justiça.


O conceito de Justiça.
Definir o que é justo não é uma tarefa fácil, vários filósofos e juristas já discutiram o tema ao longo da história, sem chegar a um consenso.
Até hoje, cotidianamente, magistrados se deparam com a problemática, em muitos casos, tomando decisões que não correspondem necessariamente ao correto em termos éticos ou morais.
O que acontece porque o conceito de Justiça pretende ser pautado pelo Direito, nem sempre vinculado com a Moral e, menos ainda, com a Ética.
Em qualquer caso, para que a Justiça seja efetivada, para que o justo possa ser garantido, é necessário entender a concepção em sentido amplo e suas ramificações, respondendo a pergunta: afinal o que é a Justiça?
A Justiça pode ser definida como a equidade, o equilíbrio de condições entre as pessoas; mas é também a garantia de participação na distribuição do poder entre os indivíduos.
O que remete a origem de sua concepção nos primórdios da humanidade e às primeiras civilizações.
A palavra Justiça deriva do sânscrito yòh, correspondendo à ideia religiosa de salvação; a partir de onde vem o radical, no mesmo idioma, ju (yu), significando ligar, evocar a proteção divina.
Uma concepção em concordância com a subjetividade inicial da Justiça, pois os primeiros agrupamentos humanos tiveram um viés igualitário entre seus membros, sem, no entanto, deixar de possuir uma hierarquia interna, comportando um paradoxo existencial.
A máxima do senso comum - “alguns são mais iguais que outros” - sempre existiu desde os primórdios da humanidade, já que a Justiça sempre foi relativizada, circunscrita à vontade dos deuses e seu teor metafísico, não concreto ou palpável.
Razão que explica o fato da Justiça não ser pautada por normas escritas, mesmo quando existente, entre vários povos da antiguidade; sendo relativizada, aderente a Moral vigente e aos interesses das elites dirigentes.
Problema que, em dados momentos, causou a revolta da população atingida desfavoravelmente pela flexibilização da Justiça, cunhando o que, depois, seria chamado de Direito.
É neste sentido que, entre os romanos, surgiu a Lex, a norma, a regra claramente definida, que deveria servir de padrão para as decisões que visam a Justiça.
A própria origem da palavra regra simboliza o que a lei passa a representar; o termo vem do latim reg, determinando a ideia de comando; de onde nasceu à expressão regula; o fez derivar as palavras regra e régua, transmitindo a acepção de direção, referencial para o comportamento.
Portanto, a Justiça é, antes de tudo, garantia da possibilidade de convivência entre desiguais, tentando equiparar e padronizar respostas a problemas que se apresentam, forçosamente, na vida em sociedade.
Entretanto, repleto de contradições, tornou-se necessário pautar parâmetros para balizar o julgamento do justo e injusto, raiz da Ética, da Moral e do Direito.
O que suscita perguntar pela questão da felicidade.
É fato que a Justiça deveria estar atrelada a felicidade, o problema é que o Direito não está preocupado em este elemento em âmbito geral ou individual.
Muito menos a Moral está preocupada com a felicidade, embora tenha uma falsa aparência de preocupação com a harmonia coletiva.
Portanto, cabe investigar o conceito de Direito e sua relação, não só com a Justiça, como também com a Moral e a Ética.


O conceito de Direito.
Ao pensar no Direito, um jurista definiria o termo como expressão do conjunto sistematizado de regras obrigatórias, de normas, de leis, de comandos, que determinam e padronizam comportamentos.
O Direito é uma Ciência interpretativa da lei, mas também normativa, impondo práticas e atos, inserindo-se no contexto perpetuo da heteronomia, sem espaço algum para a autonomia do sujeito.
Uma vez que o decidir fica circunscrito apenas ao magistrado, ou quando muito a um pequeno grupo de pessoas que, teoricamente, representariam o conjunto da sociedade, o chamado júri popular.
É por isto que, do ponto de vista sociológico, o Direito, como apreciação do fato ou fenômeno social, está subordinado a Moral, a imposição de parâmetros nem sempre racionalizados; vinculados com pressupostos de senso comum, míticos, religiosos, políticos, etc.
Em suma, o Direito pretende ser Ciência, mas termina subordinado a critérios subjetivos, distantes da razão.
Tendo como objeto a Justiça, pretende sistematizar o comportamento humano, fornecendo equidade entre os indivíduos, equilibrando a participação da distribuição do poder, em vista da desigualdade entre as pessoas, principalmente sob a ótica do sistema capitalista.
Ocorre que, pertencendo ao Estado, não se isenta da influencia ideológica dos grupos hegemônicos; não atendendo sequer a meta de trazer felicidade coletiva, sob a desculpa de harmonizar os conflitos de interesses entre os indivíduos.
No Brasil, o Direito segue a tradição romana, implicando no fato de imputar ao individuo a responsabilidade pela busca da felicidade.
Na Roma antiga, quando alguém considerava que seu direito não estava sendo respeitado, tinha a incumbência de ele arrastar o infrator, por seus próprios meios, até o Fórum e apresentar o caso ao magistrado para aguardar a sentença.
O que fazia com que os cidadãos mais poderosos, com maior número de clientes - agregados sustentados por ele - detivesse em mãos a justiça, a capacidade de fazer valer a lei.
Concepção, dentro do capitalismo, transferida para o poder monetário que é capaz de pagar os melhores advogados, peritos, detetives particulares, enfim, o suporte para provar a verossimilhança que sustenta a verdade.
O Direito é coercitivo, pune o infrator da norma estabelecida, porém, a lei não serve ao critério da felicidade ética, atendendo os interesses dos mesmos indivíduos que possuem recursos para fazer cumpri-la, em detrimento do que seria considerado justo pelo prisma ético.
Destarte, o Direito atende também aquilo que é imposto pela Moral, complementando as sanções que utilizam a coação, para coercitivamente obrigar o individuo a seguir a norma; colocando-se com centro do Pacto Social que permite a vida em sociedade.
Por isto mesmo, a Moral, conforme se modifica, altera a legislação e a interpretação das leis.
A questão é que, hoje, a Moral é formada principalmente através dos meios de comunicação, que alteram e fixam mentalidades coletivas, transformando os hábitos de senso comum e compondo novas tradições.
Uma tarefa que, em um passado não tão distante, já foi da religião e do sistema educacional.
Não que estes tenham deixado de exercer influência, inclusive utilizando os meios de comunicação, mas na sociedade contemporânea perderam força para as mídias que se multiplicam e popularizam.
Assim, os indivíduos que controlam os meios de comunicação acabam pautando, gradualmente, a Moral; exercendo direta e indiretamente influencia sobre o Direito, manipulado em favor dos interesses dos grupos hegemônicos.
Portanto, será que o Direito de fato garante a Justiça? Será que propicia a efetivação do que é justo?
Qualquer que seja a resposta, não garante a felicidade ética sob nenhum ângulo.
É neste sentido que, filosoficamente, o Direito é expressão normativa do moralmente instituído, seguindo a tradição romana e vinculando-se com o positivismo.
Tanto que, enquanto Ciência Humana, o Direito é Positivista, circunscrito ao poder da coerção que resulta da força das leis, dos costumes institucionalizados.
Opondo-se ao Direito Natural, aquele que é considerado como resultante da natureza dos homens e suas relações, considerando as necessidades coletivas e individuais, independente das convenções morais ou interpretações do Direito Positivo.
Estando mais vinculado com a Ética do que com outras esferas.
Apesar do vinculo estreito entre Moral e Direito, devemos notar que são conceitos distintos.
A própria origem da palavra denota que o Direito - aquilo que não é torto, é legitimo e reto - pretende determinar objetivamente o que é certo, teoricamente, objetivando a observância dos valores de convivência para harmonizar a sociedade.
A Moral encontra grande proximidade com este conceito, porque também pretende harmonizar, mas utiliza a coação para impor comportamentos padronizados, a punição não passa de desaprovação e isolamento social; enquanto a norma, por não ser escrita, é mais elástica.
A Ética apresenta-se diante das duas concepções como possibilidade de repensar posturas.
Deveria servir de parâmetro para ajudar alcançar a justiça e, assim, a felicidade.
No entanto, em uma sociedade que não sabe o que é Ética e não cultiva seus pressupostos básicos: será que consegue fazê-lo?


Concluindo.
Os juristas afirmam que o Direito é norma, forma, fato e costume; pretendendo fixa-la como garantia de Justiça.
Porém, a amplitude conceitual do que pode ser considerado justo não é atendida plenamente pelo Direito.
A coerção exercida pela força das leis garante a observância do que, supostamente, é convencionado pelo Pacto Social, em uma tentativa de harmonizar a sociedade e a vida coletiva.
A Moral utiliza a coação para, através da simples expectativa de punição social, fazer as pessoas se encaixarem em um padrão de comportamento público, não considerando o justo ou a busca da felicidade.
Já o Direito, embora também não considere a meta individual ou coletiva de busca da felicidade, ao menos tenta efetivar a Justiça.
Entretanto, para concretizar esta intenção, carece da Ética como instrumental.
O problema é a influencia enorme exercida pela Moral, com a Ética sendo colocada em segundo plano ou simplesmente ignorada.
O real conceito de Justiça, fator de equilíbrio que une coesamente a sociedade e os indivíduos, está mais próximo da Ética do que do Direito, distanciando-se da Moral.
Portanto, para que decisões e posturas justas sejam possíveis, antes é necessário ter claro os preceitos e a reflexão ética.


Para saber mais sobre o assunto.
LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2002.


Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela USP.
MBA em Gestão de Pessoas.
Bacharel e Licenciado em Filosofia pela Universidade de São Paulo.

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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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