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terça-feira, 5 de abril de 2011

A história de Lagoinha: breve estudo sobre a origem da cidade.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume abr., Série 05/04, 2011, p.01-07.


A cidade de Lagoinha, na região do Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo, possui uma rica história econômica e social, pouco conhecida e estudada.
Entretanto, pensando em termos gerais, existe uma intima ligação entre a localização da cidade e o ciclo do ouro e inicio do ciclo do café.
É interessante ressaltar que os motivos da decadência econômica da cidade estão ligados também a localização geográfica, distante do eixo regional, desvinculada da construção da Estrada de Ferro no século XIX e da rodovia Dutra no século XX.
A partir de um olhar voltado para o início da formação brasileira, estudar a história de Lagoinha é buscar compreender a história do Brasil.
O conhecimento sobre a cidade, do ponto de vista historiográfico, é até então obscuro, principalmente se tratando de dados anteriores a segunda metade do século XIX.
O que reforça sua ligação com a origem tropeira e abre um precedente na história da origem de algumas cidades da região Vale-paraibana.
Porém existe material para pesquisa, tal como o que foi utilizado por nós para tentar contar um pouco da rica história de Lagoinha.
Estamos nos referindo a fontes primárias, como o livro Tombo da Paróquia de Lagoinha, escrito pelo vigário local, padre João Paulo Roberto, no inicio do século XX.
Além é claro de autores que ajudam na compreensão do contexto, fornecendo base teórica, como: Goulart, Maia, Holanda, Sanches, entre outros.


A origem do nome da cidade. 
Continuando um projeto iniciado no final dos anos 1990, iniciamos no ano 2000 um compêndio que tratava de alguns aspectos que poderiam ser utilizados como base para avaliar o grau de desenvolvimento da cidade de Lagoinha.
A idéia era ajudar a população a descobrir mais sobre a origem da cidade e algumas das razões que levaram Lagoinha a se localizar geograficamente onde está.
Buscando desvendar esta última questão, acabamos notando que o troperismo estava na gênese da criação da cidade.
O povoado que originou o núcleo populacional foi utilizado como ponto de apoio aos tropeiros e viajantes de alguns ciclos econômicos, pelo qual a economia brasileira passou.
Em um estudo toponímico, era uma prática lógica que todo pouso de tropa se localizasse nas margens de uma lagoa.
Daí o nome: Lagoinha.


O tropeirismo.
O muar vai ter uma importância considerável no desenvolvimento econômico e social da província de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.
Podemos reafirmar que Lagoinha, assim como tantas outras cidades da região, tiveram sua origem ligada ao tropeirismo e, conseqüentemente, a alguns ciclos econômicos que alimentaram sua prática na região Vale-paraibana.
As paragens onde Lagoinha está localizada já eram utilizadas, como ponto de apoio pelos tropeiros que subiam a Serra do Mar, pelo sul fluminense, precisamente pela cidade de Parati, atingindo a freguesia do Facão (atual cidade de Cunha).
Daí enveredando para Lagoinha, São Luiz do Paraitinga e Taubaté, rumando para Pindamonhangaba, Guaratinguetá, Lorena, Embaú, para atingir as Minas Gerais.
Não nos esqueçamos de que o tropeiro seguia uma lei rígida e invariável que consistia em seguir pelo caminho que oferecesse menor esforço.
Consideramos de capital importância o depoimento do pároco de Lagoinha, o padre João Paulo Roberto, o qual ajuda na compreensão mais acertada da origem de Lagoinha.
 Através deste depoimento, podemos ter uma idéia mais acertada sobre as razões da criação e decadência de cidades que tiveram sua origem ligada ao tropeirismo.
Segundo o pároco:

“Sendo criado este município em tempos que o mantimento comercial se fazia por meio das tropas tendo como centros de importação e exportação as cidades de Ubatuba e Paraty o lugar tendia a algum crescimento, porém, levado a término a estrada de ferro central, ficou como que desmembrada toda essa zona em completo abandono ficam vegetando decadentes cidades outrora tão florescentes, como Ubatuba, Cunha, São Luiz e até Paraybuna” (Tombo da Paróquia de Lagoinha. 1904, p.08).


Ciclo do Ouro.
No final do século XVII, quando surgiram as primeiras notícias da descoberta de grandes veios auríferos na América Portuguesa, começaram, gradualmente, a surgir cidades pelos caminhos que envolviam a logística em volta da mineração.
Nas primeiras décadas do século XVIII, inúmeras vilas e cidades foram fundadas no interior da colônia, em torno dos centros de exploração de metais e, mais tarde, de pedras preciosas (ouro e, principalmente diamantes).
Ouro fácil, de rápida extração, mas que, por isso mesmo, esgotava rápido.
Entre a descoberta, o apogeu e a diminuição da produção, não se passaram mais do que vinte anos.
A extração atingiu seu apogeu em 1760.
Vinte anos depois, o montante retirado das jazidas havia se reduzido à metade.
Estima-se que em vinte anos chegaram à área mineradora cerca de 180 mil pessoas vindas de várias partes da colônia e do reino.
Nos primeiros anos da mineração, operou-se violenta alta de preços dos produtos comercializados nas regiões auríferas, dada a escassez de mercadorias, inclusive alimentos.
A carestia na região mineradora gerou reflexos até no litoral, registrando escassez por causa dos produtos levados para as minas.
A corrida de paulistas e cariocas em direção a Minas Gerais, por causa da descoberta do ouro, provocou a escassez de alimentos e a necessidade de um meio de transporte que facilitasse a ligação aos portos.
Foi quando o Vale do Paraíba se tornou o celeiro das Minas Gerais, com a introdução da pecuária e de intensa produção agrícola destinada ao mercado interno.
A reboque, tornou-se também um ponto de encontro das tropas que levavam metais e pedras preciosas para o litoral, onde seriam embarcadas para Portugal, transportando as mercadorias necessárias ao abastecimento dos mineradores.
Lagoinha teve um papel significativo para os viajantes que seguiam rumo às cidades portuárias de Parati e Ubatuba.
Uma vez que, quase sempre, prevalecia a lei rígida no ambiente tropeiro: o menor esforço.
Portanto, o que explica a vocação pecuária e agrícola da localidade prevalecente até hoje.


O Ciclo do Café.
O rio Paraíba do Sul nasce ao pé da serra da Bocaina, no Estado de São Paulo, desaguando em Campos, no Estado do Rio de Janeiro.
Esse rio atravessa um imenso Vale, que recebe exatamente o nome de Vale do Paraíba.
O Café impulsionou o Vale do Paraíba e regiões no seu entorno no século XIX.
A região foi utilizada como núcleo de apoio aos viajantes do ciclo.
Os tropeiros que comerciavam através do porto de Ubatuba oriundos do sul de Minas Gerais e fundo do Vale do Paraíba, por vezes, faziam o trajeto que partia de Roseira (médio Vale do Paraíba), Lagoinha, Catuçaba (distrito de São Luiz do Paraitinga) e, por fim, Ubatuba.
Mas, embora seja uma história recente, reconstruir esta época, no âmbito do entendimento da formação de Lagoinha, está ainda por ser feito.


Concluindo.
No ciclo do ouro, inúmeras vilas e povoados foram fundados na beira de trilhas de muito trânsito de pessoas e mercadorias.
O sítio onde Lagoinha se encontra foi utilizado como núcleo de apoio aos tropeiros do médio Vale do Paraíba, que tinham como destino o porto da cidade de Parati e, posteriormente, os tropeiros oriundos do Sul de Minas Gerais e fundo do Vale do Paraíba que mantinham relações comerciais através do porto de Ubatuba.
A marcha tropeira alcançava no máximo 40 km de jornada e o repetir dos pousos veio a ser o embrião de futuras vilas, freguesias e cidades.
As distâncias que separam Lagoinha de Roseira (médio Vale do Paraíba), Cunha e Catuçaba ( distrito de São Luiz do Paraitinga), ambas na Serra do Mar, estão dentro da jornada percorrida pela tropa na região.
Uma vez que, o percurso vencido a cada dia variava de acordo com a procedência de cada tropa.
A distância que separa Lagoinha, das suas cidades vizinhas, gira em torno de uma marcha, (equivalendo a cinco léguas), se a légua equivale a seis quilômetros, então, as cidades são separadas por algo em torno de trinta quilômetros.
O depoimento do padre João Paulo Roberto, sobre a origem de Lagoinha, coletado a partir da oralidade, registrado em 1904, embasa esta hipótese:

“Sendo criado este município em tempos que o mantimento comercial se fazia por meio das tropas” (Tombo da Paróquia de Lagoinha. 1904, p.08).

Novamente a origem tropeira da cidade é exaltada, tendo já sido atestada pelas estórias que se contam entre os moradores mais antigos.
Raiz de sua gênese e também causa do se baixo desenvolvimento quando por ocasião da introdução da Estrada de Ferro em Taubaté.
As ferrovias são apresentadas como o “principal indutor de progresso”.
Esta afirmativa é merecedora de ressalvas, posto que cidades como Lagoinha ficaram fora do eixo ferroviário, tendo sua constituição motivada pelo transporte muar, viram sua tendência a “algum desenvolvimento” frustrada.
As Estradas de Ferro que representaram possibilidades de crescimento demográfico para varias cidades do Estado de São Paulo, nas palavras do Padre João Paulo Roberto fizeram cidades como Lagoinha permanecerem em estado “vegetativo”.
O grande escritor, taubateano, Monteiro Lobato, que comparou Oblividon com inúmeras cidades Vale-paraibanas, Lagoinha não podia ficar fora de tão caricata descrição:

“A cidadezinha onde moro lembra soldado que fraqueasse na marcha e, não podendo acompanhar o batalhão, à beira do caminho se deixasse ficar, exausto e só, com os olhos saudosos pousado na nuvem de poeira erguida além” (LOBATO, 2004, p.25).

Monteiro Lobato diz que a razão da decadência dessas cidades foi um desvio da civilização.
O telégrafo não pode por estas cidades a falar com o resto do mundo, até a estrada de ferro se esqueceu de uni-las pelo intermédio de um humilde ramalzinho.
Foi assim que Lagoinha não pode continuar a crescer.


Fontes.
DIVERSOS. Tombo da Paróquia de Lagoinha. Registros paroquiais de 03 de Novembro de 1904 a 26 de Maio de 1999.
SILVA, Altair Viana da. Conhecer-Compreender-Construir. Compilação de dados sobre o município e Lagoinha, Edição mimeografada, 2000. 


Para saber mais sobre o assunto.
GOULART, José Alípio. Tropas e Tropeiros na Formação do Brasil. Rio de Janeiro: Conquista, 1961. 
LOBATO, Monteiro. Cidades Mortas. São Paulo: 2004.
MAIA, Tom & HOLANDA, Sergio Buarque de. Velhas Fazendas. São Paulo: 1995.
MARTINS, Ana Luiza. O Trabalho nas Fazendas de Café. São Paulo: Atual, 1994.
RIBEIRO, Darcy. A Formação e o Sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 
RUFFATO, Luiz. Memória do Comércio no Vale do Paraíba. São Paulo: Museu da Pessoa/SESC SP, 2004.
SANCHES, Fabio de Oliveira. Estrada Real: o caminho do Ouro. São Paulo: 2006.
SANTIAGO, Pedro. Por Dentro da História. São Paulo: Escala Educacional, 2005.
SETTI, João Bosco. Ferrovias do Brasil: um século de Evolução. São Paulo: Memória do Trem. 2008.
WEHLING, Arno. Formação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.


Texto: Prof. Altair Viana da Silva.
Licenciado em História, com especialização na mesma área pela Universidade de Taubaté.
Professor da rede estadual de ensino de São Paulo, atuando na escola Padre Chico de Lagoinha.

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