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Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A instalação da Corte portuguesa e a intensificação do trabalho escravo na cidade do Rio de Janeiro.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 1, Volume dez., Série 21/12, 2010.


A apressada viagem do rei de Portugal e de sua corte, fugindo do exército napoleônico, por não ter cedido ao bloqueio continental imposto por Napoleão, foi iniciada em 29 de novembro de 1807.
O estabelecimento da corte portuguesa em 8 de março de 1808 na cidade do Rio de Janeiro, que passou a ser a sede da Corte Real, provocou mudanças não somente na cidade do Rio de Janeiro, onde permaneceu, como também em toda a colônia.
Segundo a tese do ensaio A interiorização da metrópole, que tornou-se referência no estudo das razões que levaram à Independência, da historiadora Maria Odila, foi o ponto de mutação mais fundamental no desenvolvimento da ruptura de Brasil com Portugal.

Conflitos de interesses e a formação da nacionalidade brasileira.
O capitalismo inglês exerceu pressão sobre as classes dominantes e os mecanismos internos do processo de formação da nacionalidade brasileira e faz com que os comerciantes portugueses, ao perderem a intermediação comercial do Brasil, unam-se às famílias rurais e à produção.
A partir daí, começa a ocorrer um processo de ajustamento interno a essas pressões internacionais, que é o de enraizamento de interesses portugueses e o processo de interiorização da metrópole no centro-sul da colônia.
Os enormes investimentos locais postergavam a volta da corte, concessões em obras públicas avivavam os interesses particulares e faziam com que os principais homens de negócios da corte intentassem em ficar no país; começa aí o enraizamento dos interesses portugueses, pelas construções, compras de terras e estabelecimento de firmas de negócio.
As pressões do novo liberalismo econômico foram as chaves mestras que desencadearam as forças de transformação do período, mas pelas características singulares sociais coloniais brasileiras,essas não se identificaram por imediato com um movimento de libertação nacional; os conflitos internos eram bastante heterogêneos.
Houve o enraizamento de novos capitais e  interesses portugueses, associados às classes dominantes nativas e luta pela afirmação de um poder executivo central, já que essas classes queriam se fortalecer contra insubordinações regionais.
Maria Odila afirma que o processo de interiorização da metrópole é a chave para a formação da “nação” brasileira; a continuidade da ordem existente, da monarquia eram as grandes preocupações dos homens que forjaram a transição para o império; não queriam revolução, pois podia ser desastroso para seus interesses.
A fixação da Corte no Rio é o ponto culminante deste enraizamento, e alavancou a transformação da colônia em metrópole interiorizada.
As elites dirigentes do Império implementaram o seu projeto de nacionalidade através da consolidação da hegemonia do Rio de Janeiro sobre as demais províncias do Brasil. 
A historiadora nos mostra que é preciso desvincular o processo de formação da nação com a imagem tradicional da colônia em luta com a metrópole, e prossegue dizendo que as contradições e conflitos internos não tinham condições de gerar forças com uma “consciência” nacional capaz de reorganizar a sociedade e constituí-la em nação.

A hegemonia do Rio de Janeiro.
As elites dirigentes do Império implementaram o seu projeto de nacionalidade através da consolidação da hegemonia do Rio de Janeiro sobre as demais províncias do Brasil, com caráter de continuidade.
O Rio de Janeiro, antes da chegada da Corte, já era um importante porto, bem localizado para o comércio geral. Era uma escala fundamental nas longas e demoradas navegações ao redor do mundo.
A importância estratégica do Rio de Janeiro para essas rotas era tão grande que, após a chegada da Família Real, a cidade se tornou sede do quartel-general da Marinha Real Britânica na América do Sul.
A cidade era bastante conhecida também pela grandiosidade da natureza e pela vegetação espetacular.
John Luccock, inglês, comerciante de Yorkshire, desembarcou no Rio de Janeiro em junho de 1808, três meses após a chegada da família real.
Fez um registro detalhado da paisagem e dos costumes do Rio de Janeiro no tempo da chegada da corte.
Chegou até mesmo a publicar um livro, em 1820, na Inglaterra, sobre o Brasil, que tinha o objetivo de dar aos seus leitores um panorama dos usos e costumes e dos acontecimentos políticos do Brasil.
Segundo seus cálculos, a cidade teria aproximadamente 60.000 habitantes, 4.000 residências, com, em média, 15 moradores cada.

O cotidiano no Rio de Janeiro.
Junto ao esplendor da natureza, existiam problemas de umidade, sujeira e falta de bons modos dos moradores.
“A limpeza da cidade estava toda confiada aos urubus”, escreveu o historiador Oliveira Lima, em seu livro D. João VI no Brasil. 
Ratos infestavam a cidade e seus arredores.
Não existiam fossas sanitárias.
A urina e as fezes dos moradores, recolhidas durante a noite, eram transportadas de manhã para serem despejadas no mar por escravos que carregavam tonéis de esgoto nas costas.
Durante o percurso, parte do conteúdos dos tonéis caía sobre a pele e deixava listras brancas sobre suas costas negras, e, por isso, estes escravos passaram a ser conhecidos como “tigres”.
Os hábitos dos moradores também impressionavam os visitantes estrangeiros.
Luccock observou que “os dedos são usados com tanta freqüência quanto o próprio garfo”. (LUCCOCK, 1942, p.83-84).
Em 1808, O Rio de Janeiro tinha apenas 5 logradouros públicos, sendo 6 ruas, quatro travessas, seis becos e dezenove campos ou largos.
Um grande número de negros, mulatos e mestiços circulavam nas ruas.
Os escravos relizavam todo tipo de trabalho manual.
Entre outras atividades, eram barbeiros, sapateiros, moleques de recado, faziam cestas, vendiam capim, refrescos, doces, pães-de-ló, angu, café, carregavam pessoas e mercadorias.
Pela manhã, centenas deles buscavam água no chafariz do aqueduto da Carioca, que era transportada em barris.
Os escravos dominavam a paisagem também nos finais de semana.
Reuniam-se no Campo de Santana, nas áreas mais afastadas da cidade, formavam círculos, cantavam, dançavam e batiam palmas.
O calor, associado à falta de higiene, gerava problemas de na área da saúde. 
Associou-se esta proliferação de doenças aos negros recém-chegados da África.
O mercado de escravos foi transferido da atual praça 15 de novembro para a região do Valongo.

Modificações advindas com a presença da Corte.
A chegada da Família Real produziu profundas mudanças na cidade do Rio de Janeiro.
A até então, “pobre cidade colonial” recebeu muitos investimentos e empreendimentos.
Com a transferência da sede da monarquia para o Rio de Janeiro, a cidade substituiu Lisboa nesta função, e construiu-se um império na América Portuguesa.
Depois da ocupação de Lisboa pelos franceses, o Rio de Janeiro se tornou o mais importante centro naval e comercial do império.
Era o maior mercado de escravos das Américas.
Seu porto vivia cheio de navios negreiros que atravessavam o Atlântico, vindos da África. O historiador Manolo Garcia Florentino, calculou que aproximadamente 850.000 escravos passaram pelo porto do Rio de Janeiro no século XVIII.
Mais de um terço das exportações e importações passavam pelo seu porto.
Para assumir tal posição, a cidade precisou ser adaptada a esta, para que marcasse seu lugar na Corte.
Fundaram-se escolas, de medicina, da marinha e de guerra, de comércio. 
Uma Imprensa Régia, que não podia existir anteriormente na colônia.
Também foram instalados e construídos uma livraria, que daria origem à futura Biblioteca Nacional, o Jardim Botânico, a Academia de Belas Artes, o Teatro Real, o Banco do Brasil.
Além de todas estas instituições-chave construídas, foi preciso também reconfigurar a cidade urbanisticamente, pois havia se tornado o cenário do poder imperial.
A cidade recebeu os mestres da Missão Artística Francesa em 1816, com o objetivo de promover as artes, a cultura, “bons gostos” e “refinamento”. Idealizaram fachadas neoclássicas e arcos triunfais, e deram ao Rio de Janeiro a face de uma capital européia.
A sociedade carioca sofisticou seus hábitos.
Fato visível nas publicações da Gazeta do Rio de Janeiro, a partir de 1808.
No começo, oferecem serviços e produtos como aluguel de cavalos, carroças, venda de terrenos e casas e alguns serviços como aulas de Catecismo, Língua Portuguesa, História e Geografia.
A partir de 1810, o conteúdos dos anúncios muda. Passam a oferecer pianos, livros, tecidos de linho, lenços de seda, champanhe, água de colônia, leques, luvas, vasos de porcelana, quadros, relógios e uma infinidade de outras mercadorias importadas. 
O ensino leigo e o ensino superior foram implantados.
Antes da chegada da Corte, toda a educação na colônia estava restrita ao ensino básico e confiada aos religiosos.
A Gazeta do Rio de Janeiro, primeiro jornal publicado em território nacional, começou a circular no dia de setembro de 1808.
No dia 6 de dezembro de 1815, D. João elevou o Brasil à condição de Reino Unido de Portugal e Algarves e promoveu o Rio de Janeiro à sede oficial da Coroa. 

A capital imperial se tornou um local onde se almejava construir a unidade, que deveria produzir simbolicamente uma imagem capaz de cimentar a identidade nacional.

O Rio de Janeiro como cabeça do Império. 
Depois da independência do Brasil, os políticos conservadores atribuíram à nova “cabeça do Império”, a função de geradora de valores capazes de delinear o perfil da jovem nação.
E este perfil deveria se relacionar com um arcabouço político-jurídico definido, exemplificado através da organização da Câmara Municipal, da Câmara da Corte, subordinada do ministro do Império; do modelo centralizador imposto pelo Ato Adicional 1834, três anos após a abdicação de Pedro I, criando o Município Neutro, separado da província fluminense, marcando sua diferenciação em relação aos outros municípios e subordinação ao governo central. 
Porém, a construção da capital imperial como local de unidade não se limitava às definições políticas e administrativas.
Outro componente fundamental dessa construção seria a capacidade da cidade de garantir a imposição de hábitos e costumes, de padrões de comportamento, linguagem, de gosto e moda, com a intenção de unificar e homogeneizar.

Quem desejava se tornar um “homem da Corte” deveria internalizar os modos impostos.
Ocorre até mesmo uma inferiorização do provinciano em relação ao habitante da capital.
A construção da capital como centro formador de um “espírito nacional”, também precisou contar com os esforços dos intelectuais contemporâneos à formação do Estado Imperial, tanto no campo das letras, dos estudos históricos e geográficos, quanto na área das artes plásticas, na missão “civilizadora” e de promover a unidade nacional.
Em 1838, foram criados o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro- IHGB, e o Arquivo Público do Império (Arquivo Nacional) neste sentido de delinear um perfil para a nação.
Além das discussões em torno da formação do povo brasileiro – branco, índio, negro e mestiço - se tornou necessário elaborar estratégias para controlar e subordinar a população da capital, heterogênea em sua composição, já que a elite dirigente se preocupava com a proximidade física.
Em 1838, para promover a unidade, foi realçada a pompa real.
Colocou-se em foco a figura do Imperador em solenidades públicas.
A cerimônia do beija-mão foi restabelecida para simbolizar o reconhecimento do imperador como o senhor de seus súditos. 
Disseminando as novidades arquitetônicas, culturais, políticas e intelectuais, a transladação da Corte intensificou os negócios, mudando a vida dos habitantes da cidade, inclusive a dos negros escravos, com a intensificação do tráfico negreiro e da utilização da mão-de-obra dos negros escravizados. 

O tráfico negreiro e a Corte.
A cafeicultura foi em parte responsável pela intensificação do tráfico negreiro, e fez com houvesse no porto do Rio de Janeiro maior concentração de escravos importados, para serem enviados às regiões onde havia as plantações de café, as áreas urbanas e as que estavam relacionadas à cafeicultura, onde haviam outras lavouras de outros gêneros alimentícios, mineração, pecuária e produção de açúcar. 
Aproximadamente, 80% dos cativos vinham do Congo, de Angola, ou Moçambique.
Na África, o escravo chegava primeiro às mãos dos mercadores nativos, geralmente como prisioneiro de guerra ou oferecido como pagamento de tributo a um chefe tribal.
Esses mercadores levavam-nos até ao litoral, onde seriam comprados pelos agentes dos traficantes portugueses.
Devido às péssimas condições sanitárias nos porões dos navios negreiros, muitos morriam na travessia do Atlântico.
Os escravos a bordo dos navios negreiros eram considerados uma carga como outra qualquer.
Outro risco do tráfico eram os naufrágios e os piratas que existiam no Atlântico Sul.
Na década de 1820, os jornais do Rio de Janeiro registraram dezesseis ataques de piratas a navios negreiros, a maior parte de corsários norte-americanos. 
Um desses navios, o Estrela do Mar, foi roubado no porto de Malembo. 
Perdeu todos os 213 escravos que tinha a bordo.
Apesar da taxa de mortalidade no percurso até o Brasil ser altíssima, e dos riscos que envolviam o tráfico, era um negócio muito lucrativo e o Estado arrecadou muito dinheiro através de impostos. 
Em 1810, um escravo comprado em Luanda por 70.000 réis era revendido no Distrito Diamantino, em Minas Gerais, por até 240.000 réis. 
No Rio de Janeiro, os traficantes de escravos eram empresários proeminentes.
Exerciam influência na sociedade e nos negócios do governo.
Na corte de D. João, eles de destacavam entre os grandes doadores, recompensados com honrarias e títulos de nobreza.
Um exemplo disso é o caso do traficante Elias Antônio Lopes, que em 1808 presenteou o príncipe regente com o palácio que havia construído em São Cristóvão.
Ainda em 1808, recebeu do príncipe a encomenda da Ordem de Cristo e a propriedade de ofício de tabelião e escrivão da Vila do Parati. 
No mesmo ano, o príncipe concedeu-lhe posto de deputado da Real Junta do Comércio.
Em 1810, foi sagrado cavaleiro da Casa Real e ainda recebeu a perpetuidade da Alcaideria-Mor e do Senhorio da Vila de São João Del Rei, na comarca do Rio de Janeiro.
Também foi nomeado corretor e provedor da Casa de Seguros da Praça da Corte.
Por fim, tornou-se responsável pela arrecadação de impostos em várias localidades.
Ao morrer, em 1815, era dono de 11 escravos e de fortuna calculada em 236 contos de réis, distribuída em palácios, fazendas, ações no Banco do Brasil e navios negreiros.
Quando a Corte portuguesa chegou ao Brasil, navios negreiros vindos da costa da África levavam ao mercado do Valongo entre 18.000 e 22.000 homens, mulheres e crianças por ano.

O Rio de Janeiro e o tráfico de escravos.
O mercado do Valongo era o local aonde os escravos eram levados após desembarcarem no porto da cidade.
Foi criado em meados do século XVIII no governo de Marquês de Lavradio e assumiu esta função de mercado de escravos até o ano de 1831, no local que hoje corresponde à Rua Camerino.
O Valongo não somente distribuía escravos na cidade do Rio de Janeiro, como também para as províncias da Região Sudeste, São Paulo e Minas Gerais.
Para desembarcar os escravos no mercado do Valongo, era necessário obter licença, registrá-los e pagar pelo direito de trazê-lo à colônia.
O mercado tinha cerca de 50 estabelecimentos, e cada um armazenava entre 300 e 400 escravos, aproximadamente.
Além das terríveis condições que enfrentavam nos navios negreiros e pelos maus-tratos dos traficantes do Mercado do Valongo, os escravos ainda ficavam vulneráveis a doenças e infecções no país.
Por estas razões, a taxa de mortalidade dos escravos no Mercado do Valongo era alta, e os traficantes encontravam como solução para se livrar dos corpos, mandar estes para o Cemitério dos Negros Novos, próximo ao mercado.
Os moradores que viviam próximo ao mercado e ao cemitério reclamavam constantemente sobre o mau-cheiro proveniente das covas rasas e dos perigos de infecções e doenças.
Porém, estas pessoas tiveram que conviver com esse problema até novembro de 1931, quando foi aprovado pelo parlamento brasileiro a extinção do tráfico negreiro, após pressão do governo britânico. 
Apesar da diminuição da importação de escravos africanos após a extinção legal do tráfico negreiro, os traficantes se reorganizaram após 1835 e continuaram traficando africanos, através de formas que não fossem perceptíveis aos navios da marinha britânica, que fiscalizavam o Atlântico, e também da corrupção, subornando autoridades brasileiras, que, inclusive, também compravam estes escravos importados ilegalmente.
Como já não era possível armazenar os escravos no local onde ficava o Mercado do Valongo, os mercadores passaram a levar os negros a praias desertas, durante a noite, ou durante o dia com apoio de autoridades locais corruptas.
Os motivos para a reorganização do tráfico negreiro foram a dependência de muitas atividades econômicas no Brasil, principalmente a cafeicultura do Sudeste, e o grande aumento do preço dos escravos.
Além das formas de ludibriar a lei que proibia o tráfico de escravos, houve reorganização também no comércio de escravos na cidade do Rio de Janeiro.

O cotidiano dos escravos.
A partir dos anos 1830, aumentou o número de escritórios e casas de compra, venda e aluguel de escravos. 
Após serem comprados, os negros continuavam enfrentando condições adversas.
Eram comuns as punições para os escravos no caso de “faltas”.
Existiam vários instrumentos para supliciar os escravos, mas na prática, três eram usados com mais regularidade, o chicote, o tronco, e os grilhões.

A punição mais comum era o açoite do escravo, nas costas ou nas nádegas, quando fugia, cometia algum crime ou alguma falta considerada grave no trabalho.
 Em muitas situações a quantidade de chibatadas provocava grandes ferimentos, que podiam evoluir para gangrenas e infecções generalizadas.
Numa tentativa de evitar a infecção das feridas, banhava-se o escravo com uma mistura de sal, vinagre ou pimenta malagueta, o que piorava ainda mais o seu suplício.
Uma diferença entre a escravidão urbana e a do campo era o regime de castigos.
Nas fazendas e nas minas de ouro e diamantes, os escravos eram punidos elo feitor ou diretamente pelas mãos de seus proprietários.
Nas cidades, a polícia cuidava disso.
O proprietário podia recorrer aos serviços da polícia, mediante pagamento.
Os negros eram punidos em prisões ou nos diversos pelourinhos espalhados pelas cidades.
A vida penosa dos escravos levou muitos a cometerem atos de violência. 
Aconteceram muitos crimes cometidos por escravos, e muitos deles tiveram como conseqüências a morte das pessoas que eram o alvo do seu desagrado.
Registros policiais do período situado entre 1810 e 1820, indicam o aumento de atos de violência cometidos por escravos nesse período, que chegaram a ultrapassar as infrações caracterizadas como furto e roubo.
O aumento do número de escravos na cidade do Rio de Janeiro acabou acarretando também maiores dificuldades em seu cotidiano, como maior opressão senhorial e escassez material, condições que propiciaram a violência por parte dos escravos.
Porém, a maior parte dos atos de violência eram cometidos não contra os senhores, e sim contra outros escravos. 
Eles de desentendiam por causa de disputas e dinheiro e se vingavam por delações e castigos sofridos.
A pior falta que o escravo poderia cometer, depois do homicídio, era a fuga. 
Já era um problema antigo, e os negros que eram achados em quilombos, eram marcados com "F" nas costas sobre o ombro, e os reincidentes teriam, na segunda fuga, uma das orelhas cortadas e na terceira, seriam condenados à morte.
Apesar da severidade das punições, as fugas continuaram ocorrendo em grande número. 
As áreas ao redor da corte da cidade do Rio de Janeiro, formadas por florestas e montanhas, eram os lugares para onde os negros fugidos iam se esconder.

Os Quilombos e formas de resistência em torno do Rio de Janeiro.
Existiam quilombos na floresta da Tijuca, no Morro de Santa Teresa e nas regiões de Niterói e na atual Lagoa Rodrigo de Freitas.
Os moradores sobreviviam dos produtos que extraíam da própria mata, coletavam frutos, raízes, matavam animais pequenos, e assaltavam as fazendas e chácaras vizinhas. 
Porém, estes lugares não eram os principais nem os únicos refúgios dos escravos.
Os negros fugidos também costumavam se “misturar” e assim se esconder entre os negros e mulatos libertos da cidade.
Era difícil para a polícia identificar cada negro que circulava pelas ruas, ou se era alforriado ou escravo.
Era comum haver nos jornais da época anúncios descrevendo negros fugidos e oferecendo recompensa pela sua captura.
Os capitães-do-mato se incumbiram da tarefa de recapturar escravos foragidos.
Eles percorriam a cavalo as florestas e as zonas rurais em busca dos escravos.
Se guiavam pelos anúncios de jornais e avisos pregados em postes e placas de beira da estrada.
O escravo encontrado era amarrado a uma corda e era obrigado a seguir a pé atrás do cavalo.

Concluindo.
É importante ressaltar o quanto importante foi a mão-de-obra dos negros escravos na sociedade da cidade do Rio de Janeiro, assim como em toda a América Portuguesa.
Eram o “motor” das produções e dos empreendimentos e foram por muito tempo grande parte da mão-de-obra utilizada, até a entrada intensa de imigrantes.
O número de escravos passou a crescer enormemente, e também cada vez mais pessoas queriam possuir escravos.
Houve a necessidade de atenuar conflitos entre senhores e escravos, e para isso, algumas medidas foram tomadas para diminuir possíveis tensões entre ambos.
Deste modo, já no final do século XVII, foi concedido ao escravo africano consolidar laços familiares e ter filhos, a fim de apaziguar os escravos, pacificar as relações sociais, evitar fugas, já que o escravo se enraizaria em um núcleo familiar, e aumentar a sua quantidade de escravos. 
Essas concessões não haviam sido feitas do início do uso do trabalho escravo até meados do século XIX, pois havia uma imigração compulsória intensa de escravos do continente africano para a América portuguesa, e por isso, maior oferta.
O tráfico de escravos da África para o Brasil, chegou em alguns momentos, a ser a principal e mais lucrativa atividade econômica brasileira.
O descaso com a qualidade de vida do escravo fica claro quando observamos documentos, que neste período, ou seja, nas primeiras décadas do século XIX, mostram a preferência por escravos do sexo masculino e a taxa de mortalidade muito superior a de natalidade.
Só havia a preocupação com o lucro da venda dos negros, considerados meras mercadorias.
A partir de 1850, com a proibição do tráfico negreiro com a Lei Eusébio de Queiroz, gerou-se uma valorização do escravo enquanto mercadoria e a necessidade de se aumentar a vida útil deste “instrumento” de trabalho.
É importante lembrar que as concessões não eram feitas por misericórdia e solidariedade dos proprietários de escravos, e sim como um meio de manter o escravo submisso ao seu dono, evitando medidas mais violentas.
Outro fator que também foi muito utilizado como manipulador e instrumento de dominação foi a religião.
Os negros se apegavam à religião católica.
Os negros casavam, batizavam seus filhos na fé católica, porém ess conversõ à religião católica era uma maneira de evitar tensões.
Os escravos não costumavam receber a extrema-unção antes de falecer.
Preferiam após sua morte, que o rito de passagem fosse realizado pelos praticantes das religiões afro-descendentes. 
O Brasil foi o último país no mundo ocidental a acabar com a escravidão, processo que durou aproximadamente 350 anos, tendo como principal processo fomentador inicial o início da produção portuguesa de cana de açúcar e findando-se legalmente com a abolição da escravatura em 13 de maio de 1888.
A escravidão ultrapassou sem dúvida o aspecto físico e material, ou seja, a mera utilização de sua mão-de-obra. Repercute até os dias atuais, na vida dos negros, e a sociedade brasileira ainda não conseguiu reparar tantos anos de exploração e espoliação.

Para saber mais sobre o assunto.
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
GOMES, Laurentino. 1808. São Paulo: Editora Planeta Brasil, 2007.
KARASCH, Mary C. A vida dos escravos de no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
FLORENTINO, Manolo Garcia. Em costas negras: uma história do tráfico Atlântico entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1987.
SOARES, Luiz Carlos. Os escravos de ganho no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: Revista Brasileira de História, 16 (Mar/ ago), 1988.
SOARES, Luiz Carlos. O povo de “cam” na Capital do Brasil: A escravidão urbana no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: Faperj, 2007.
DIAS, Maria Odila Leite Silva. "A interiorização da Metrópole (1808-1853)" In: MOTTA, Carlos Guilherme (Org.). 1822: dimensões. São Paulo: Scritta, 1995.
GRAHAM, Maria. Diário de uma viagem ao Brasil. São Paulo: Brasiliana, 1956.
ALGRANTI, Leila Mezan. O Feitor Ausente: estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro 1808-1822. Petrópolis: Vozes, 1988.
DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
MOTTA, Marly. Rio, cidade-capital. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
MANCHESTER, Alan K. Presença inglesa no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1973.
NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
SODRÉ, Nelson Verneck. As razões da Independência. Rio de Janeiro: Graphia, 2002.
EWBANK, Thomas. Vida no Brasil ou diário de uma visita à terra do cacaueiro e da palmeira. São Paulo: Ed. da USP, 1976.
SILVA, Marilene Rosa Nogueira da. Negro na Rua: a nova face da escravidão. São Paulo: Hucitec, 1988.
LEITHOLD, Teodor von & RANGO, Ludwig von. O Rio de Janeiro visto por dois prussianos em 1819. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966.

Texto: 

Prof. Cinthia Bourget Fortes Genestra.
Pós-graduanda em História Moderna – UFF.
Professora da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro.





4 comentários:

  1. Obrigada professor pela oportunidade!
    Adorei as imagens!:)

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  2. Parabéns pelo texto, está muito bem escrito. Agradeço imensamente a colaboração da professora em nome de todos os leitores que irão se beneficiar aprimorando o conhecimento sobre a história de nosso país.
    Forte Abraço.

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  3. Pena não ter referência das obras de artes que compõe o estudo. Provavelmente são de Debret.

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  4. Realmente a maioria das imagens é de autoria de Debret.

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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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