Publicação brasileira técnico-científica on-line independente, no ar desde sexta-feira 13 de Agosto de 2010.
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Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

domingo, 22 de agosto de 2010

A gênese do terror e o acirramento da luta entre Ocidente e Oriente: os Impérios da pólvora mulçumanos.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 1, Volume ago., Série 22/08, 2010.


Em 11 de setembro de 2001, o mundo assistiu perplexo o atentado terrorista de maior repercussão da história recente. O episódio marcou uma nova era nas relações internacionais, transformando a incerteza do século XX, no estigma da insegurança do inicio do século XXI.

As facilidades de comunicação ajudaram a aumentar o impacto do acontecimento. Emissoras TV transmitiram ao vivo o choque do segundo avião e a queda das torres gêmeas do Word Trade Center.

Ao ruir o imponente conjunto arquitetônico de 415 metros de altura, cravado no coração de Nova Iorque, em Manhattan, um símbolo do capitalismo ocidental caía.

Trabalhavam nas duas torres 50.000 pessoas inocentes que pagaram tributo ao desentendimento civilizacional.

No entanto, o ataque cometido pelos membros da al-Qaeda incitou, em todos os cantos do planeta, as pessoas a perguntarem como o antagonismo entre Ocidente e Oriente podia ter conduzido a tamanha catástrofe.

Neste momento, muitos discutiram as causas políticas, econômicas, sociais e culturais da tragédia.

Poucos refletiram sobre as reais origens históricas que conduziram terroristas a tomarem aviões, repletos de pessoas, para matarem outras centenas, cometendo suicídio em nome da fé.

Para entender a gênese do terror, é preciso viajar no tempo, voltar alguns séculos até a formação dos chamados Impérios da pólvora. Uma época em que turcos otomanos, mongóis e iranianos foram os percussores da disseminação do islã através da força das armas de fogo e do aterrorizamento dos infiéis.

Talvez, entendendo melhor o outro, possamos integrar esforços no sentido de alcançar, por meio do dialogo, relações amistosas com o mundo muçulmano, composto atualmente por mais de 1 bilhões de pessoas, um quinto da humanidade.

Evitar um futuro desastroso será bom para ambas às partes.


A força impulsionadora do conflito civilizacional entre Ocidente e Oriente.

É verdade que os terroristas do 11 de setembro não foram os primeiros a utilizarem a tática do terror para tentar converter o outro a sua fé, os portugueses, por exemplo, também fizeram amplo uso da mesma estratégia.

No inicio de quinhentos, Vasco da Gama enforcou centenas de inocentes pescadores indianos, expondo seus corpos nos mastros dos navios de sua frota, esquartejando outros tantos para enviar como presente ao rei de Calecut (hoje Calcutá).
Até então, a fé servia como mero pretexto, escondendo razões econômicas.

No caso lusitano, a lucrativa pimenta do reino, com rentabilidade que alcançou a casa dos 18.000%.

O grande diferencial dos atentados cometidos em nome do islã está no fato de não existir razões econômicas diretas, embora tenham origem em contextos sociais e culturais, implicando em conflitos políticos que se desdobram na esfera econômica, afetando as relações internacionais entre Ocidente e Oriente.

Para entender a formação do acirramento deste antagonismo, antes, é necessário compreender em que medida a fé no islã pode ser considerada, em si, como impulsionadora da luta civilizacional entre Ocidente e Oriente.

Retrocedendo no tempo, tal como o cristianismo atuou na Idade Média, a religião islâmica pode ser considerada, desde seu inicio até hoje, uma fé basicamente expansionista.

Nascido a partir do ramo judaico-cristão, com inúmeros episódios, citações sagradas e profetas em comum, o islã foi iniciado por um mercador árabe chamado Muhammad, conhecido entre nós como o profeta Maomé.

O próprio termo em árabe, islã, pode ser traduzido como submissão à vontade de Deus.

Maomé, o fundador da fé, casou-se com uma rica viúva, bem mais velha do que ele, a qual conheceu em uma de suas viagens de negócios.

Após o fato, supostamente influenciado pelo contato com a religião judaica e cristã, aos 40 anos de idade, o profeta teria começado a receber visões e ouvir vozes que acreditava serem de origem divina, exortando-no a pregar e converter seus compatriotas a verdadeira fé.

Iniciou então a composição da Bíblia dos muçulmanos, adotando a palavra Alcorão para nomear a sua obra, cujo significado pode ser traduzido como recitação.

Ou seja, a idéia é que para os muçulmanos o Alcorão expressa a palavra de Alá (Deus), rescrita por Maomé.

Cabe notar, no entanto, que a versão final do Alcorão, aquela seguida atualmente, pelas mais diversas tendências islâmicas, possuindo apenas variações de interpretação, corresponde a um texto escrito 30 anos após a morte de Maomé.


Seja como for, desde os primórdios de sua confecção, já estavam constituídos os pilares da fé islâmica, composto por 5 deveres básicos:

1. Shahada (testemunho), a afirmação da unidade onipotente de Deus, enfatizando a distância entre criador e criatura, colocando Maomé como porta voz daquele que julga os homens, conduzindo os bons ao paraíso e condenando os maus ao inferno.

2. Salat, a submissão incondicional a Deus, representada pela prostração e a obrigação de orar, cinco vezes ao dia, voltado para a cidade santa (Meca), devendo reunir a comunidade em oração uma vez por semana (sexta-fera) em uma mesquita.

3. Zakat (esmola), correspondente ao dízimo cristão, contribuição simbolizando a solidariedade para com a comunidade islâmica.

4. Ramadan, o mês do jejum que comemora o recebimento do Alcorão por Maomé, representando a purificação, quando os fiéis ficam proibidos de manter relações sexuais, beber e comer, desde o nascer até o pôr do sol.

5. Hajj, a obrigação de peregrinar pelos lugares santos ao menos uma vez na vida.



É interessante ressaltar que os ensinamentos de Maomé, inicialmente, não foram bem recebidos em sua cidade natal, Meca, principalmente por sua insistência em destruir imagens dos deuses politeístas que dominavam o cenário.

Enfrentando forte oposição, com um circulo restrito de seguidores que ultrapassava pouco mais que seus familiares e amigos, perseguido, Maomé foi obrigado a fugir, no ano de 622, para Medina.

Nesta cidade, depois de lutas sangrentas entre seus seguidores e opositores, os muslimin (os submetidos às palavras do Alcorão) impuseram sua superioridade.

Em Medina, Maomé organizou uma tropa militar com a qual pôde impor o islamismo aos habitantes de Meca, assimilando os derrotados. Inclusive, colocou os mesmos comerciantes que o haviam expulsado em altos cargos religiosos, limpando a cidade de todas as divindades politeístas.

Firmou-se assim, a partir de atos de violência sustentados pela fé em um Deus único, o islã; nascido não através do debate, mas sim pela imposição, embora uma vez estabelecido, tenha se aberto ao dialogo com os antigos opositores.

Uma estratégia que nortearia a expansão da religião a partir de então.

É verdade que se poderia argumentar que o cristianismo também esteve operando pela mesma lógica, contudo, nos três primeiros séculos de sua existência, a nova religião que daria origem ao catolicismo apostólico romano enfatizou seu lado pacifico, não nasceu como opressora de seus detratores, mas como oprimida.

O cristianismo só se tornou adepto da conversão forçada depois de uma mudança de orientação processada pela assimilação da fé pelo Império Romano, caracterizando uma estratégia de defesa das fronteiras com os bárbaros que começava a ruir.

A fé cristã adquiriu uma conotação expansionista somente na Idade Média, com o advento das cruzadas, na realidade uma válvula de escape à convulsão social européia que, por sua vez, exigia a canalização da belicosidade da nobreza e a insatisfação da plebe em prol da luta civilizacional com um inimigo recém construído: justamente os muçulmanos.

Já no caso do islamismo, o próprio contexto de seu surgimento, somado aos dogmas da fé, forçou a prática do terror como estratégia de conversão.
Cito como exemplo a ordem sagrada, contida no Alcorão, especificando que os pagãos e politeísta, chamados idólatras, deveriam ser convertidos ou mortos em nome do amor de Deus.

É amplamente conhecido o fato dos muçulmanos, durante o domínio da Península Ibérica, permitirem a coexistência pacífica de igrejas, sinagogas e mesquitas, procedimento que não seria adotado pelas tropas cristãs que retomaram o território.

Entretanto, também é verdade que o domínio islâmico da península foi marcado pela discriminação daqueles que se recusavam à conversão.



O fim da unidade de pensamento: xiitas x sunitas.

Enquanto as questões econômicas, sociais, culturais e políticas moldaram o cristianismo, modificando os dogmas de fé nos diversos concílios e bulas papais.

Mais intensamente que o cristianismo, desde seu surgimento, o islã pode ser enquadrado como uma religião monoteísta que abrange todas as esferas da vida.

O islamismo modificou os indivíduos e o desenvolvimento das nacionalidades no Oriente, criando e regularizando uma tradição que condicionou as diversas esferas aos dogmas religiosos, equação inversa àquela adotada no Ocidente.

Depois da morte de Maomé, os seus seguidores mais próximos continuaram desenvolvendo a ideia de expansão da fé associado à penetração militar.

Os califas (khalifas), combinando a autoridade religiosa e política, mediando à relação com Deus, interpretando o Alcorão, iniciaram ondas de expansão, responsáveis pela conquista de territórios no Oriente Médio, Sudeste Asiático, África e sul da Europa (Península Ibérica), representando, no século X, o governo sobre 20% da humanidade.

Um período inicial de relativa unidade interna entre os muçulmanos foi marcado pelo governo dos califas ortodoxos, simultaneamente, acompanhado pelo surgimento de duas tendências que exerceriam forte influencia sobre as relações internacionais contemporâneas.

Neste momento aparecerem termos bem conhecidos dos analistas políticos, criando o antagonismo entre xiitas e sunitas.

A morte de Maomé, em 632, trouxe consigo um grande problema, já que o profeta não havia deixado indicação sobre quem deveria sucedê-lo. Surgiu um ambiente de tensão e disputa pelo poder entre os partidários da sucessão a partir da linhagem consanguínea e os defensores de uma escolha consensual entre todos os fiéis.

Embora a segunda tendência tenha saído vitoriosa, o sucesso da expansão do islã favoreceu uma minoria, acirrando as desigualdades sociais e provocando uma guerra civil que desmanchou a ilusão de unidade entre os muçulmanos.

Iniciou-se uma nova interpretação da época do profeta e de seus sucessores imediatos, idealizada como era de religiosidade.

Uma minoria pretendia colocar Ali ibn Abi Talib, genro de Maomé, no seu lugar. Porém, o pretenso sucessor foi assassinado em 699, fomentando o aparecimento do partido de Ali, a xia (Shi’a). Surgiram os xiitas, defensores da legalidade na sucessão hereditária, glorificando as tradições e o sacrifício em beneficio da propagação da fé.

Os partidários do primeiro sucessor de Maomé a de fato assumir o posto, Abu Bakr, velho companheiro do profeta, fundaram a dinastia Omíada.

Liderados pelos muçulmanos da primeira geração que haviam convivido pessoalmente com Maomé, passaram a defender a tradição estabelecida a partir da normatização sucessória consensual, originando a facção sunita (sunna = caminho trilhado).

Os xiitas terminaram desenvolvendo uma visão milenaristas, enfatizando valores como justiça social e martírio, posteriormente, desdobrada em rejeição aos valores Ocidentais e a desigualdade representada pelo mundo capitalista.

Os sunitas adotaram uma interpretação menos literal do Alcorão, representando, perante a visão ocidental, intermediários em um possível diálogo com o Oriente.

Acontece que é esta tendência, mais tolerante, na qual a al-Qaeda de Osaka Bin Laden se enquadra.


A lógica da conversão pela força.

No inicio, em todos os lugares militarmente ocupados pelo islã, o procedimento foi o mesmo.

Depois de combates sangrentos, a instalação do poder obedeceu a uma lógica de expansão da fé, norteadora da esfera econômica, social e cultural.

Animados pela jihad (guerra santa), os guerreiros mulçumanos caídos em batalha, pretendiam alcançar a vida eterna em um paraíso cheio de virgens.
O islã tentava não se impor diretamente sobre as populações conquistadas, devemos ter em mente que vigorava a tendência sunita.

No território que mais tarde se tornaria a Espanha, por exemplo, nenhuma mudança grave foi imposta aqueles que já professavam o cristianismo, mesmo que esta religião fosse sentida de maneira muito superficial e misturada com elementos pagãos.

Igualmente, na Península Ibérica, nas terras governadas pelos muçulmanos, chamados mouros pelos nativos, conviviam pacificamente judeus, cristãos e islâmicos.

A mesquita e a igreja continuavam abertas e podia-se verificar que as diferenças entre o Evangelho e o Alcorão não eram tão grandes.

No entanto, cristãos e judeus nunca estiveram totalmente seguros sob o domínio do islã.

Na prática, apesar da liberdade religiosa, uma série de regras procuravam impor a fé ao outro, forçando a conversão indiretamente.

Aqueles que aceitavam o islã ficavam isentos de impostos, podendo participar do exército, portanto de espólios de guerra, assim como da política.

Já as pessoas que permaneciam enraizados ao cristianismo ou judaísmo, tinham que aceitar certos símbolos que marcavam sua inferioridade, sofrendo forte pressão para abraçarem o Alcorão.

Neste sentido, entendendo como terrorismo, práticas hostis contra populações civis desarmadas, ao invés de atos de guerra e confrontos estritamente militares, devemos perguntar se não seria o caso de considerar estas pressões como a origem da lógica do terror.

Embora períodos alternados de tolerância e perseguição marquem a coexistência entre cristãos, judeus e muçulmanos; exemplos emblemáticos demonstram que a lógica de pensamento da conversão pela força foi enraizada, fortemente, na mentalidade islâmica.

Por outro lado, não se pode negar que, simultaneamente, os cristãos utilizaram, em determinados períodos, táticas de terror para forçar conversões.

O Livro dos testamentos, um manuscrito português do século XII, narra um emblemático episódio ocorrido na reconquista de Coimbra pelos mouros em 987.

Na ocasião, em meio da fuga de seus compatriotas, um nativo da Península Ibérica teria procurado o líder dos muçulmanos para converter-se ao islamismo, sendo agraciado com tropas para sair no encalço de cristãos.

Segundo consta, este cristão foi obrigado a escravizar todos os seus vizinhos que se recusassem a conversão para provar sua sinceridade.

Apesar da suposta liberdade religiosa, aterrorizar, provocar medo entre aqueles que não aceitassem de imediato o islã, foi prática comum entre os muçulmanos, sendo aprimorada e intensificada pelos Impérios da pólvora.

Um contexto no qual a luta civilizacional entre Ocidente e Oriente foi acirrada através do terror.


Os Impérios da pólvora.

Contemporâneos do renascimento europeu, no século XV, três Impérios consolidaram-se no Oriente.

Todos com graus diferenciados de tolerância, mas empregando, igualmente, táticas de terror em contextos também diferenciados: o Império Grão-Mongol, na Índia; o Império Otomano, nos antigos domínios bizantinos e no mundo árabe; e o Império Safávida, na Pérsia, no atual território do Irã e Iraque.

Os chamados Impérios da pólvora ficariam assim conhecidos devido ao largo emprego de canhões em suas manobras militares.

Isto, em uma época em que o uso de projeteis de artilharia significava cercos efetivados em um tempo mais curto, já que as muralhas de pedra das fortificações eram projetadas para resistir apenas às catapultas e trabucos.

Além do que, os homens da infantaria, mesmo quando equipados com armas de fogo rudimentares, podiam obter vantagens no campo de batalha contra soldados armados com espadas e arcos, caracteristicamente, com dificuldade de movimentação devido à pesada couraça que vestiam para a proteção, então vulnerável as novas armas.

Para além do antagonismo entre Ocidente e Oriente, a coexistência dos Impérios da pólvora criou tensões dentro do mundo islâmico que configurariam uma rivalidade ideológica, com desdobramentos até hoje presentes nas modernas relações internacionais.

Enquanto os Impérios Grão-Mongol e Otomano adotaram a tendência sunita, razão de seu apogeu e declínio; o Império Safávida, constituiu um divisor de águas, impregnado pela imposição do xiismo, transformando o Irã em um Estado de maioria xiita.

Devido a esta característica, as populações que depois iriam configurar o moderno Irã, constituíram um foco de tensão em meio a um Oriente Médio sunita, ora aberto à influência ocidental, ora opondo-se firmemente a ela, com minorias xiitas servindo aos interesses dos fundamentalistas iranianos.

Razão de uma dupla tendência ao antagonismo, simultaneamente, marcado pela coexistência da divisão interna e pela junção de esforços contra união os valores ocidentais cristãos.


O Império Grão-Mongol.

As armas de fogo ainda não existiam quando os muçulmanos iniciaram sua penetração na Índia no século VIII.

Califas de origem árabe Omíada estabeleceram Estados independentes que professavam a fé islâmica.

Entretanto, o Império Grão-Mongol, então apoiado pelo fogo de canhões, foi fundado em 1526.

Babur (o tigre), bisneto de Tamerlã, responsável por barrar o avanço turco rumo ao Oriente em 1402, liderou um povo de etnia turco-persa-mongol, originário da Ásia central, disseminando táticas de terror.

Ele dominou o sub-continente indiano, não distinguindo civis de militares em suas operações de guerra.

O desdobramento do Império Mogol na Índia durou mais de dois séculos, sendo marcado por grandes mudanças sociais, ocorridas em uma sociedade de maioria hindu, governada por grão-mogóis (imperadores) muçulmanos.

Ora adotou-se uma postura de tolerância religiosa, ora foi empregada a mais pura violência, com a destruição de templos hindus.

Em ambos os momentos, altos impostos foram instituídos para não muçulmanos, tentando forçar a conversão, em uma mistura de fanatismo e de tolerância cosmopolita.

É interessante ressaltar que o sucesso dos grão-mongóis, responsáveis pela construção do Taj Mahal, assim como pela conquista do Paquistão e da Sibéria, deveu-se, sobretudo, a uma política de integração com a cultura indiana.

Casamentos entre os sultões muçulmanos e a realeza local dos marajás, tentaram miscigenar as culturas e populações.

Uma tendência interrompida somente pelo estabelecimento do domínio britânico na Índia, a partir de 1857.

Além disto, os grão-mongóis formaram um exército composto por muçulmanos estrangeiros de talento e lealdade comprovadas, adotando uma estruturação social militarizada, responsável pelos seus sucessos a tal ponto que, posteriormente, foi copiada pelos ingleses que a mantiveram como chave de seu domínio sobre a Índia.

Em um período tardio, no século XVIII, os mongóis, sob o governo do sultão Akbar, tentaram reformar o sistema religioso indiano, em uma tentativa de criação de uma nova religião sincrética que misturasse o islã e o hinduísmo.

Já não era mais possível realizar esta intenção, o ódio entre etnias gerou reações contrárias por parte dos sunitas ortodoxos e hindus.

Na prática, a reforma terminou constituindo um instrumento dos muçulmanos sunitas ortodoxos, desvirtuando as práticas religiosas das castas indianas inferiores, forçando conversões para o islã, através de práticas de aterrorizamento das populações.

Isto, para não mencionar a coação representada pela esperança de fuga do rígido sistema de castas indiano, estabelecido muito séculos antes da chegada dos mongóis.

Assim configurada, a tentativa de reforma religiosa conduziu a uma série de revoltas das populações hindus, reprimidas com violência pelo poder central, gerando um sentimento antimuçulmano.

Sentimento que continuou a existir durante o domínio britânico, depois, responsável pelo agravamento das tensões entre a Índia hindu e o Paquistão muçulmano.


O Império Otomano.

Tão tolerante quanto o Império Grão-Mongol, mas, antagonicamente, empregando, posteriormente, no seu período de decadência, táticas de terror mais apuradas, o Império Otomano nasceu a partir da união de etnias diversas pela fé no Islã.

Os turcos entraram no mundo islâmico como escravos e mercenários, tornando-se a guarda pretoriana dos líderes políticos e religiosos, rapidamente superando os mestres para tornarem-se senhores.
A partir da Anatólia, região da atual Turquia, uma tribo liderada por Osman I, da onde deriva a palavra otomano, fundou um Império baseado na supremacia sunita, inaugurado em 1281.

Os otomanos expandiram rapidamente seus domínios, empregando canhões e táticas de terror que, tal como procederiam, depois, os grão-mongóis, não distinguiam civis de militares, penetrando no Báltico e conquistando Constantinopla em 1453.

A cidade seria transformada na capital do Império com o nome de Istambul, quando os bizantinos foram subjugados e substituídos como força hegemônica.

Os otomanos, como novos donos do poder, passaram a ameaçar as nações europeias em pleno processo de formação dos Estados Nacionais Absolutistas.

Seguiu-se a conquista do Oriente Médio, incluindo os lugares santos do islã, da África do Norte e dos Bálcãs, chegando as portas de Viena, marcando o apogeu do Império Otomano no século XVI.

Sob o governo do sultão Solimão (Soleiman), o Magnífico, a cristandade passaria a considerar os turcos como a maior ameaça desde a propagação original do islã por Maomé.

A expansão otomana deveu-se, sobretudo, a excelência de seu exército, cujo núcleo era constituído por escravos, recebidos como tributo de famílias cristãs.

Eles eram educados como soldados muçulmanos, desde a passagem da infância para a adolescência, ensinados a idolatrar os sultões e obedecer cegamente suas ordens, constituindo uma casta militar controlada pelos turcos.

Não obstante, entrado em choque direto com o germe que daria origem ao Império Grã-Mongol e o Império Persa Safávida, o avanço otomano rumo ao Oriente foi barrado no período quatrocentista.

No Ocidente, pela mesma altura, os otomanos enfrentaram dificuldades nos Bálcãs, especialmente na Valáquia e Moldávia.

Nestes feudos, o príncipe Vald Tepes utilizou táticas de aterrorizamento aprendidas com os próprios turcos, ampliando sua escala a ponto de causar espanto aos inventores, empalando civis e militares, quer fossem homens, mulheres ou crianças, deixando os corpos apodrecerem em grandes campos com 20.000 cadáveres.

A despeito das derrotas militares, não foram elas que conduziram o Império Otomano ao seu declínio, mas sim uma questão econômica instaurada a partir do século XVII.

A força do Império residia na sua sustentação pelo comercio de especiarias, intermediadas da Índia para as cidades italianas, de onde eram redistribuídas para o resto da Europa.

A queda de Constantinopla, somada a outros fatores, havia impulsionado os portugueses e espanhóis a desbravarem o Atlântico e Índico, estabelecendo novas rotas comerciais marítimas que prejudicaram o comercio turco.

No caso especifico da prata do Novo Mundo, este fator causou uma inflação que atingiu, além da Europa, também o território otomano.

Constituindo o principal Estado rival da Espanha no século XVI, o Império Otomano não renovou suas estruturas, abrindo espaço para a ampliação da descentralização e fragmentação social e religiosa.

Não se adequando a nova realidade inaugurada pela paz de Westfália, na segunda metade do século XVII, quando emergiram novas potências hegemônicas, os otomanos assistiram seu império ruir.

Inglaterra, França e Holanda, aproveitaram este período de decadência, que se estenderia até o século XIX, para penetrar no Oriente.

Um detalhe interessante é que, a partir do seu período de decadência, as táticas de terror otomanas tornaram-se mais sofisticadas para fazer frente à guerrilha empregada pelos súditos rebeldes dentro das fronteiras do Império.

Eslavos, gregos, curdos e árabes iniciaram revoltas contra o domínio turco, fomentando uma resposta violenta.

Conforme as fronteiras do Império recuaram, os otomanos torturam populações civis, utilizando táticas de aterrorizamento para intimidar os habitantes das províncias, sobretudo europeias, que haviam restado, cometendo atrocidades e massacres horrorosos.

Esta foi uma das razões que ajudaram, inclusive, os britânicos a se apoderassem, diretamente ou incentivando e apoiando as revoltas internas, dos domínios otomanos durante a Primeira Guerra Mundial.

Por esta altura, a hegemonia otomana foi reduzida a quase nulidade, resumindo-se a participação turca no cenário mundial que se reconfigurava.


O Império Safávida.

Diferente de seus dois contemporâneos, o Império Safávida foi dominado pela tendência xiita.

Depois de um longo período de preponderância da tendência sunita, envolvendo, na antiga Pérsia, o estabelecimento do islã a partir de 650 até 1500, passando pelo domínio turco (1037-1219) e mongol (1219-1500), foi firmada a dinastia safávida.

A partir do governo do xá Ismail I, proveniente da cidade de Ardabil, na região do Azerbaijão, a língua turcomana foi adotada como idioma oficial, depois, substituída, pela geração seguinte, pelo persa.

Ismail I foi responsável pela expansão das fronteiras da Pérsia, incluindo os atuais território dos Azerbaijão, Irã e Iraque, bem como grande parte do Afeganistão, detendo-se somente quando entrou em atrito com o Império Otomano.

O marco foi a batalha de Chaldiran, em 1514, a partir do que os conflitos entre os dois Impérios da pólvora se tornaram comuns.

A Pérsia safávida constituiu um Estado violento e caótico pelos 70 anos seguintes, utilizando práticas de terror para forçar as populações conquistadas a converterem-se e adotarem os hábitos muçulmanos xiitas.

Os persas não deixaram espaço para qualquer tipo de convivência pacífica com cristãos e judeus, vistos como inimigos civilizacionais que precisavam ser combatidos a todo custo, mentalidade enraizada na cultura iraniana até hoje.

A situação foi parcialmente alterada em 1588, quando o xá Abaz I subiu ao poder, incentivando um renascimento cultural e político ao transferir a capital do Império para Ispaão, no centro do atual Irã.

Ao mesmo tempo, a tendência de combate ao Ocidental foi fortalecida, o xá celebrou a paz com os otomanos, fixando, no inicio do século XVII, a fronteira da Pérsia com a Turquia, a qual permanece ainda separando a pátria turca do Irã.

Após reformar o exército e expulsar os uzbeques da Pérsia para o que é hoje o Uzbequistão, temporariamente livres da rivalidade com os otomanos, os safávidas concentraram esforços na reconquista da ilha de Ormuz, nas mãos dos portugueses, obtendo a vitória em 1622.

Infringindo, ainda, pesadas perdas aos portugueses através de atos de pirataria praticados no Índico, os quais seriam lembrados nas memórias de Fernão Mendes Pinto.

Quando o soldado português cruzou com crianças e mulheres portuguesas, escravizados, acorrentadas nos porões de uma embarcação safávida, segundo suas palavras, nas piores condições que poderiam existir, descreveu a cena culpando os persas.

Todavia, o Império Safávida entrou em declínio a partir de 1722, ano que marca a invasão de tropas russas no noroeste da Pérsia, na realidade parte da estratégia de controle da Ásia Central pelo emergente Império Russo.

Para piorar a situação, a rivalidade entre persas e otomanos foi reacendida na ocasião, quando o exército turco apoio o cerco russo de Ispaão.

Embora russos e otomanos não tenham conseguido conquistar um palmo do território atualmente pertencente ao Irã, ficando restritos as regiões periféricas da Pérsia, o Império Safávida foi terrivelmente enfraquecido pela guerra.

Os afegãos, por esta altura, sentiram-se estimulados a iniciarem uma sangrenta revolta contra a conversão forçada ao islã, culminando com a execução do último xá da dinastia safávida.

Alguns anos depois, em 1730, houve uma tentativa de reavivar o esplendor da dinastia safávida, quando o xá Nadir expulsou os russos e confinou os afegãos novamente ao território atual do Afeganistão, lançando diversas campanhas bem-sucedidas contra os povos nômades da Ásia Central, destruídos ou absorvidos ao Irã.

O sucesso do restabelecimento do Império Persa foi breve, não resistiu a morte de Nadir em 1740, seus descendentes não conseguiram impedir a emergência de uma nova dinastia, os zand, então completamente despreparado para resistir a expansão mundial dos impérios coloniais europeus.

No século XIX, o Irã seria pego em um fogo cruzada entre as pretensões do Império Russo e Britânico, tendo seu destino definitivamente selado rumo a um fechamento interno no século XX.


A prática do terror como mentalidade enraizada na cultura do islã.

O imperialismo europeu foi responsável pela ocidentalização dos antigos domínios dos Impérios da pólvora, a partir do final do século XVIII.

Um processo intensificado no século XIX e inicio do século XX, quando o petróleo se tornou um recurso disputado pelas potencias hegemônicas.

Com o mundo dividido entre Inglaterra, França, Alemanha e Rússia, o advento da Primeira Guerra Mundial não fez mais que redistribuir os povos muçulmanos através de novas zonas de influencia, acirrando a disputa por recursos e mercados entre os europeus.

O que conduziu até a Segunda Guerra Mundial, ao término da qual as lutas anticoloniais redefiniram fronteiras, nem sempre segundo os interesses dos povos do islã.

Entre 1945 e 1967, a maioria dos países, antes pertencentes aos Impérios da pólvora, alcançaram a independência, emergindo como países periféricos em um mundo de desequilíbrio de poder e riqueza.

Passaram a ser nações dominadas pela cultura Ocidental, guardando uma chaga psicológica deixada pelas imposições do imperialismo europeu do século XIX.

Este fato, somado a prática do terror como mentalidade enraizada na cultura do islã, estimulou o surgimento de grupos islâmicos que passaram a usar a insatisfação popular para recrutar adeptos, promovendo atos de violência sustentados pelo contexto histórico e pelo conceito de jihad (guerra santa).

O xiismo foi fortalecido em prol de um terrorismo fundamentalista, abraçado pelas minorias desfavorecidas em sua busca por segurança física e psicológica.


Para saber mais sobre o assunto.

CARR, Caleb. A assustadora história do terrorismo. São Paulo: Ediouro, 2002.

DEMANT, Peter. O mundo muçulmano. São Paulo: Contexto, 2004.

FERRONHA, Luís Antônio (cord.). O confronto do olhar. Lisboa: Caminho, 1991.

MELO NETO, Francisco Paulo de. Marketing do terror. São Paulo, Contexto, 2002.

PINTO, Fernão Mendes. Peregrinação. Transcrição de Adolfo Casais Monteiro a partir do original de 1614, Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1983.

RAMOS, Fábio Pestana. Naufrágios e Obstáculos enfrentados pelas armadas da Índia portuguesa. São Paulo: Humanitas, 2000.

RAMOS, Fábio Pestana. No tempo das especiarias. São Paulo: Contexto, 2002.


Texto:

Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.




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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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